TDAH não é “moda”: o alerta da Sociedade Brasileira de Pediatria e o que a escola pode fazer, na prática

Em meio a um turbilhão de conteúdos nas redes sociais, diagnósticos apressados e promessas milagrosas, um lembrete essencial ganhou corpo no recente congresso da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP): o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição neurobiológica real, multifatorial e que exige um olhar técnico, cuidadoso e humano. O documento apresentado pela SBP chama atenção para sinais de alerta que frequentemente passam despercebidos ou são interpretados como “falta de esforço”, “desinteresse” ou “indisciplina”. Quando a escola entende o que está por trás desses comportamentos e organiza respostas pedagógicas baseadas em evidências, o caminho do estudante muda de rumo: a frustração dá lugar à possibilidade de aprender com autonomia e dignidade.

Antes de tudo, é importante diferenciar mito de ciência. TDAH não é um rótulo para justificar dificuldades nem uma fase que “passa com o tempo”. Trata-se de um conjunto de sintomas persistentes de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que, em intensidade e frequência, comprometem o funcionamento no cotidiano. Essa combinação pode aparecer na infância, seguir pela adolescência e permanecer na vida adulta, impactando desempenho escolar, relações sociais e saúde emocional. Não existe um exame único que “comprove” TDAH. O diagnóstico é clínico, feito por profissional habilitado, com base em critérios internacionais, histórico detalhado, observações de mais de um contexto (casa e escola) e, quando necessário, avaliações complementares. Esse cuidado não é burocracia: é o que evita equívocos, sobreposição com outras condições e intervenções inadequadas.

O alerta da SBP reforça sinais que merecem atenção e rastreio sistemático na escola. Em muitos estudantes, a dificuldade central aparece como manter a atenção por longos períodos, seguir instruções até o fim, organizar materiais e tarefas, controlar o tempo e finalizar atividades sem perder o foco no caminho. Em outros, a inquietação motora, o falar em demasia, a impulsividade nas respostas e a sensação de “estar sempre a mil” tornam o convívio desafiador e a aprendizagem fragmentada. Esses comportamentos não surgem por falta de vontade. Há bases neurobiológicas relacionadas às funções executivas, como planejamento, inibição de respostas automáticas, memória de trabalho e monitoramento, que precisam ser ensinadas, treinadas e apoiadas com intencionalidade pedagógica. E como os critérios diagnósticos exigem persistência por pelo menos seis meses, início precoce dos sinais e prejuízo clinicamente significativo em mais de um ambiente, o olhar pedagógico cotidiano é decisivo para documentar padrões, contextos, gatilhos e avanços.

Se o diagnóstico é responsabilidade da saúde, a resposta educativa é, por excelência, papel da escola. E aqui entra a Educação Baseada em Evidências (EBE), que organiza a sala de aula para que aprender não dependa de “força de vontade” ou de adivinhações do estudante, mas de um ensino claro, explícito e cumulativo. Em termos práticos, isso começa com rotinas previsíveis e visíveis: objetivos do dia escritos de forma simples, passos da atividade desmembrados em partes pequenas, materiais previamente organizados e tempo de trabalho calibrado com pausas de movimento. As instruções precisam ser curtas, acompanhadas de modelagem concreta (o professor mostra como se faz), prática guiada com feedback imediato e, só então, prática autônoma. Quando tarefas longas são quebradas em microetapas com checagens intermediárias, reduzimos a carga nas funções executivas e aumentamos a taxa de sucesso. A gestão comportamental ganha qualidade quando substituímos reprimendas genéricas por reforço positivo contingente: elogiar comportamentos-alvo específicos, usar sistemas simples de pontos ou fichas, combinar sinais discretos para redirecionar a atenção e ensinar estratégias de autorregulação, como respiração breve, listas de verificação e uso de cronômetros visuais.

Nos componentes curriculares, a alfabetização e a numeracia merecem atenção redobrada. Muitos estudantes com TDAH carregam lacunas de leitura e matemática não porque “não conseguem”, mas porque a exposição ao conteúdo foi pouco explícita, a prática foi insuficiente e o monitoramento não flagrou os pontos de ruptura. Programas estruturados de consciência fonológica, princípio alfabético, fluência e compreensão, assim como sequências graduadas em senso numérico, fatos aritméticos e resolução de problemas, devolvem o terreno firme de que precisam para avançar. Ao mesmo tempo, é possível, e desejável, integrar essas habilidades ao currículo real: ler para aprender em ciências e história, interpretar tabelas em geografia, argumentar com base em textos e dados. A escola ganha potência quando adota a lógica de RTI (Resposta à Intervenção): todos recebem um ensino de alta qualidade; quem precisa de mais, recebe reforços focados e frequentes; e casos que não respondem adequadamente ao reforço são encaminhados para intervenções ainda mais intensivas e, quando apropriado, para avaliação clínica.

Família e escola formam uma frente única. A comunicação precisa ser regular, objetiva e propositiva. Em lugar de relatórios genéricos, vale compartilhar metas curtas, evidências de progresso e combinados de suporte em casa, organização de mochila na véspera, rotina previsível para estudo, leitura diária breve e prazerosa, combinados sobre telas. A percepção de que “nada funciona” muitas vezes nasce da falta de consistência e de expectativas pouco realistas para a idade. Quando a família entende que estratégias simples, repetidas todos os dias, mudam trajetórias, ela vira aliada e o estudante sente que o ambiente ao redor acredita no seu potencial.

No campo da saúde, a abordagem é multimodal. Psicoeducação de família e estudante, psicoterapia com foco em habilidades, intervenções escolares articuladas e, quando indicado e bem acompanhado, tratamento medicamentoso podem compor o plano. A decisão sobre fármacos é sempre clínica e individualizada, levando em conta benefícios, efeitos adversos, contexto e preferências da família. A adesão costuma ser um desafio por custos, estigma, efeitos colaterais ou sensação de “já melhorei, posso parar”. Por isso, um plano de acompanhamento claro, com metas funcionais observáveis e revisões periódicas, é tão importante quanto a prescrição. Mais do que defender ou condenar medicamentos, a escola precisa assegurar que, com ou sem fármacos, as adaptações pedagógicas e o ensino de qualidade aconteçam diariamente. É isso que garante acesso, permanência e aprendizagem.

Na NeuroEscola, trabalhamos para transformar esse discurso em rotina. Nossa formação docente em rede traduz a ciência das funções executivas, da alfabetização e da numeracia em práticas simples e escaláveis. Programas como o PROLEIA, focado em leitura, escrita e compreensão com instrução explícita e materiais estruturados, e o PROMAIS, voltado ao desenvolvimento matemático nos anos iniciais, ajudam a recompor lacunas e a prevenir novas perdas. Para a Educação Infantil e a transição para o 1º ano, enfatizamos preditores como literacia emergente, consciência fonológica e conhecimento alfabético, com propostas lúdicas que colocam a criança no centro do processo. O método RTI orienta nosso acompanhamento: sondagens periódicas, metas realistas, ajustes de intensidade e mentorias práticas para professores e gestores. E, porque inclusão não se faz sem cultura, apoiamos escolas a construir ambientes que acolhem diferenças, combatem estigmas e mantêm altas expectativas para todas as crianças — típicas e atípicas.

O recado da SBP vem em boa hora: precisamos diminuir ruído, aumentar o sinal e recolocar a escola no seu melhor papel, ensinar bem, todos os dias, com base em evidências e com humanidade. Quando entendemos que o estudante com TDAH não precisa de “facilidades”, mas de instrução clara, oportunidades de prática, feedback e estrutura para autorregular-se, começamos a ver mudanças concretas de engajamento, comportamento e aprendizagem. O resto é continuidade. Pequenas vitórias, repetidas, viram trajetórias novas.

Se você quer levar essa abordagem para a sua rede ou escola, a NeuroEscola pode caminhar ao seu lado com formação, programas, materiais e mentoria de implementação. Ciência acessível, prática possível e acompanhamento próximo: é assim que transformamos alertas em ação e cuidamos do que realmente importa, o desenvolvimento pleno das crianças.

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