Introdução
Em pleno andamento na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o novo Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2024–2034 (PL 2614/24) reacende um dos debates mais delicados e estratégicos da educação brasileira: a idade ideal para que uma criança seja considerada alfabetizada.
Enquanto o PNE anterior (2014–2024, prorrogado até 2025) estabelecia como meta a alfabetização até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, a nova proposta antecipa esse marco para o final do 2º ano, com metas ambiciosas: 80% das crianças alfabetizadas até 2030 e 100% até 2034.
Essa mudança tem gerado intensos embates entre especialistas, evidenciados nas audiências realizadas ao longo de 2024 e intensificadas em 2025. O centro da divergência está não apenas no ano escolar, mas na concepção de alfabetização, nas condições concretas de ensino e na preocupação com a equidade e o desenvolvimento integral das crianças.
Índice
- O Epicentro do Debate: 2º ou 3º Ano?
- O MEC e o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada
- A Defesa da Alfabetização no 1º Ano e a Crítica aos Planos
- O Alerta sobre a Consistência e as Desigualdades
- A Visão que Preserva a Infância e o Alerta para o Estresse
- A Essencial Formação de Professores e a Inclusão da Matemática
- A Perspectiva da NeuroSaber: Ciência a Serviço da Aprendizagem
- Conclusão: Rumo a um PNE que Promova a Aprendizagem Genuína
1. O Epicentro do Debate: 2º ou 3º Ano?
O ponto de maior tensão no novo PNE é a proposta de antecipar a meta de alfabetização para o final do 2º ano do Ensino Fundamental. A justificativa é alinhar o Brasil a práticas internacionais e acelerar os ganhos educacionais.
Por outro lado, muitos especialistas argumentam que essa antecipação desconsidera a diversidade dos contextos escolares, os diferentes ritmos de desenvolvimento infantil e as desigualdades históricas do país. A discussão, portanto, vai além do calendário escolar: trata-se de garantir condições reais e equitativas para que todas as crianças sejam, de fato, alfabetizadas com qualidade.
2. O MEC e o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada
Desde 2023, o Ministério da Educação, por meio do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, tem reforçado a meta de alfabetização até o 2º ano. Aleksandro Santos, Diretor de Políticas da Educação Básica, defende que metas claras ajudam a orientar práticas pedagógicas e a articular esforços federativos.
Uma das inovações é a definição nacional de criança alfabetizada, baseada em três pilares:
- Leitura de palavras, frases e pequenos textos;
- Localização de informações explícitas;
- Capacidade de realizar inferências com base em linguagem verbal e não verbal.
Para monitorar esse processo, foi criado o indicador Criança Alfabetizada, com avaliação censitária — superando a limitação amostral do antigo Saeb-Alfabetização.
3. A Defesa da Alfabetização no 1º Ano e a Crítica aos Planos
João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, vai além: defende que a alfabetização ocorra ainda no 1º ano. Para ele, o critério deveria ser a fluência de leitura (80 palavras por minuto, incluindo pseudopalavras), independentemente da compreensão textual.
Segundo Oliveira, o atraso na alfabetização compromete todo o percurso escolar. Em sua visão, a não alfabetização é reflexo de falhas de gestão e formação, sugerindo medidas radicais como condicionar repasses do Fundeb à efetividade da alfabetização.
Carlos Nadalin, ex-Secretário de Alfabetização do MEC, concorda e reforça a importância da educação infantil na preparação para a leitura, com foco em consciência fonológica e métodos estruturados baseados na ciência cognitiva.
4. O Alerta sobre a Consistência e as Desigualdades
Daniel Cara, professor da USP e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lembra que a meta do 3º ano nunca foi plenamente cumprida. Para ele, a urgência está em garantir consistência e coerência nos critérios de avaliação — não apenas antecipar prazos.
Segundo Cara, “antecipar sem garantir estrutura pode acentuar as desigualdades”, principalmente porque muitos municípios brasileiros ainda enfrentam precariedades profundas em infraestrutura, formação docente e acompanhamento pedagógico.
5. A Visão que Preserva a Infância e o Alerta para o Estresse
Bianca Corrêa, também da USP, defende que a alfabetização precoce pode ser prejudicial se imposta sem considerar o tempo necessário para o amadurecimento infantil. Ela alerta para os riscos de estresse em crianças pequenas submetidas a pressões excessivas e avaliações padronizadas.
Para Corrêa, a educação infantil deve priorizar o brincar, o desenvolvimento global e a construção gradativa da linguagem, mantendo a meta de alfabetização no 3º ano como um padrão mais sensato para a realidade brasileira.
6. A Essencial Formação de Professores e a Inclusão da Matemática
Isabel Frade, da Associação Brasileira de Alfabetização, destaca que a raiz do problema está na formação precária de professores, agravada pela proliferação de cursos EaD de baixa qualidade. Ela defende rigor na regulação das instituições formadoras e foco na formação continuada.
Gilcinei Carvalho (Ceale) reforça a necessidade de formação contínua, leitura de qualidade e práticas pedagógicas consistentes.
Já Beatriz Alquéres (Instituto Ayrton Senna) e Bárbara Panseri (Fundação Lemann) defendem a inclusão da matemática no conceito de alfabetização plena, ressaltando que o raciocínio lógico contribui para a compreensão de texto. Ambas defendem o uso sistemático de dados públicos para monitoramento e a estabilidade das políticas educacionais, algo ainda frágil no Brasil.
7. A Perspectiva da NeuroSaber: Ciência a Serviço da Aprendizagem
Para a NeuroSaber, o debate precisa ser conduzido à luz da ciência. A pergunta não é apenas “quando alfabetizar”, mas “como garantir uma alfabetização eficaz para todas as crianças”. O foco deve estar no respeito ao desenvolvimento neurobiológico e no uso de estratégias fundamentadas em evidências.
Acreditamos que:
“Todas as crianças podem aprender — é preciso saber como ensinar.”
Isso exige investimento em formação prática, métodos comprovados, respeito ao ritmo individual e suporte técnico aos educadores. A antecipação de metas só fará sentido se for acompanhada por:
- Formação docente de qualidade;
- Acesso a materiais estruturados;
- Apoio à inclusão;
- Diagnóstico precoce de dificuldades de aprendizagem.
O papel do professor é decisivo — e, por isso, empoderá-lo com conhecimento é o caminho mais eficaz para transformar o futuro da educação.
Conclusão: Rumo a um PNE que Promova a Aprendizagem Genuína
A discussão em torno da idade de alfabetização no PNE 2024–2034 representa mais do que uma disputa de cronogramas: trata-se de decidir qual modelo de educação o Brasil deseja construir.
É possível avançar em resultados sem negligenciar o desenvolvimento infantil. É possível perseguir metas ousadas sem pressionar crianças e professores — desde que a base seja sólida: ciência, formação, equidade e compromisso real com a aprendizagem.
O futuro de milhões de crianças depende de um PNE que:
- Inspire ação efetiva e não apenas intenção;
- Valorize o professor como agente de transformação;
- Coloque a criança no centro, respeitando seu tempo e potencial.
E, acima de tudo, reconheça que:
“Quando você ensina o outro, você se torna parte do outro. Você transforma o outro — e transforma você também.”
Fonte: Agência Câmara de Notícias. “Especialistas discordam sobre idade adequada para alfabetização das crianças em debate sobre novo PNE”. Publicado em 14/05/2025.