Por que investir em alunos com TEA e TDAH aumenta o repasse do Fundeb (VAAR)

Durante décadas, circulou nos bastidores da educação brasileira um mito cruel: a ideia de que alunos com deficiência, autismo, TDAH ou transtornos de aprendizagem “puxavam a nota da escola para baixo”. Infelizmente, não era raro ouvir relatos de escolas que “sugeriam” que esses alunos não fossem à aula no dia das avaliações externas, como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).

Temos uma notícia urgente para gestores, professores e pais: essa lógica acabou. E não foi apenas por uma questão moral (o que já seria suficiente), mas por uma questão financeira.

No novo modelo de financiamento da educação (o Novo Fundeb), especificamente na complementação VAAR (Valor Aluno Ano por Resultado), excluir ou deixar para trás alunos neurodivergentes agora significa perder milhões em recursos.

Neste artigo, vamos explicar como a inclusão de alunos com deficiência e transtornos do neurodesenvolvimento se tornou o motor da pontuação para receber verbas federais no ciclo 2025/2026.

O que é o VAAR e o que ele tem a ver com Inclusão

O Fundeb agora tem uma fatia chamada VAAR. Diferente do modelo antigo, que mandava dinheiro apenas pelo número de matrículas, o VAAR premia quem reduz desigualdades.

A regra do jogo mudou drasticamente: para uma prefeitura ou estado receber esse dinheiro extra, não basta ter notas altas com os “melhores alunos”. É preciso provar que os alunos que historicamente eram deixados para trás estão aprendendo e permanecendo na escola.

Aqui estão os 3 pilares onde a Educação Inclusiva gera pontuação direta:

A “Armadilha” dos 80%: Por que todos precisam fazer a prova?

Para sequer começar a concorrer ao dinheiro do VAAR, a rede de ensino precisa cumprir a Condicionalidade II: garantir a participação de pelo menos 80% dos alunos matriculados nas provas do Saeb.   

Onde entra a neurodivergência? Antigamente, se uma escola tinha muitos alunos com DI (Deficiência Intelectual), Autismo ou TDAH e os deixava de fora da prova para “proteger a média”, nada acontecia. Agora, o cálculo é impiedoso.

Vamos imaginar uma escola com 100 alunos no 5º ano. Se a gestão “esconder” 21 alunos (sejam eles alunos com dificuldades de aprendizagem, neurodivergentes ou faltosos) e apenas 79 fizerem a prova, a taxa de participação cai para 79%.

  • Resultado: O município é inabilitado. A verba do VAAR para aquela rede vai a zero, não importa quão boas sejam as notas dos outros alunos.   

A lição: Investir em acessibilidade no dia da prova (ledores, tempo adicional, sala de recursos, apoio para TDAH) não é “favor”. É a única forma de garantir os 80% de presença necessários para habilitar o recurso.

VAAR-Atendimento: Combate à Evasão Escolar

Um dos maiores indicadores para o cálculo do valor a receber é o VAAR-Atendimento, que mede a redução do abandono escolar.   

Sabemos que alunos com TDAH não tratado, Dislexia não diagnosticada ou Autistas sem suporte adequado são os que mais sofrem com a evasão e a repetência.

  • Quando a escola implementa o PEI (Plano Educacional Individualizado) e oferece suporte real, esse aluno fica na escola.
  • A conta é simples: Aluno retido na escola = Melhor indicador de Atendimento = Mais dinheiro do VAAR.

Atenção ao cadastro: Se o aluno com deficiência “some” do sistema ou fica com o status “Sem Informação de Rendimento” (SIR) no Censo Escolar, o indicador sofre uma penalidade automática no cálculo. A gestão precisa saber onde esse aluno está e como ele está evoluindo.   

O Índice de Equidade (IndEqui): O multiplicador final

A nota final para receber o dinheiro é multiplicada pelo IndEqui (Índice de Equidade). Esse índice mede a diferença de aprendizado entre os alunos mais favorecidos e os mais vulneráveis.   

A Lei nº 14.113/2020 e suas atualizações (Lei nº 14.276/2021) explicitam que a redução de desigualdades deve considerar grupos raciais, socioeconômicos e estudantes com deficiência.   

Embora o cálculo matemático atual do Inep foque fortemente nas desigualdades raciais e socioeconômicas (NSE), na prática escolar, esses grupos se sobrepõem. Muitas crianças neurodivergentes estão nas camadas de menor nível socioeconômico e dependem exclusivamente da escola pública para terapias e suporte.

  • Se a escola foca apenas nos alunos neurotípicos de alto desempenho e ignora as dificuldades de aprendizagem dos demais, o “fosso” (gap) de aprendizagem aumenta.
  • Quando a desigualdade aumenta, o IndEqui cai. Se o IndEqui cai, o repasse financeiro diminui drasticamente, mesmo que a média geral da escola tenha subido.

O que os Gestores e Escolas precisam fazer agora?

Para garantir esses recursos em 2025 e 2026, a gestão educacional precisa adotar práticas que a Neurosaber defende há anos. O VAAR transformou boas práticas pedagógicas em exigências orçamentárias:

  1. Busca Ativa Real: Não basta matricular. É preciso garantir que o aluno com TEA ou TDAH esteja frequentando. A evasão desses alunos penaliza o indicador VAAR-Atendimento.
  2. Acessibilidade no Saeb: A escola deve solicitar os recursos de acessibilidade (prova ampliada, ledor, transcritor) no censo do Saeb. Garantir que o aluno neurodivergente faça a prova com conforto é vital para bater a meta de 80% de participação.
  3. Currículo Inclusivo (Condicionalidade V): Para se habilitar, o município precisa comprovar que seu currículo está alinhado à BNCC e às normas de diversidade. Um currículo que ignora as adaptações para neurodivergentes não está, de fato, alinhado à competência geral da BNCC sobre empatia, cooperação e cidadania.   
  4. Investir no AEE (Atendimento Educacional Especializado): O AEE não é apenas um direito; é a ferramenta estratégica para melhorar o desempenho dos alunos que têm mais dificuldade. Melhorar a nota de quem está na base (alunos com dificuldades) gera mais impacto no IndEqui do que melhorar a nota de quem já vai bem.

A mensagem do Novo Fundeb é clara: a exclusão custa caro.

Municípios que continuarem vendo a Educação Especial como “gasto” ou “assistencialismo” perderão milhões em repasses federais nos próximos anos. Por outro lado, as redes que capacitarem seus professores para lidar com TDAH, Dislexia e Autismo, e que acolherem esses alunos nas avaliações, serão recompensadas com o maior volume de recursos da história da educação básica.

A inclusão deixou de ser apenas uma luta das famílias e se tornou uma questão de sobrevivência financeira para as redes de ensino. E quem ganha com isso são as nossas crianças.

Referências:

  • Lei nº 14.113/2020 e Lei nº 14.276/2021 (Regulamentação do Fundeb).
  • Notas Técnicas Inep nº 12/2024 e nº 34/2025 (Cálculo do IndEqui e VAAR).
  • Resoluções da CIF (Comissão Intergovernamental de Financiamento) nº 15, 16 e 17 de 2025.
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