Proposta ainda tramita na Câmara dos Deputados
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou o PL 2331/2025, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que determina que escolas públicas e privadas de todo o país substituam as sirenes usadas para marcar entrada, intervalos e saída por músicas suaves.
A proposta tem um objetivo claro: tornar o ambiente escolar mais acolhedor e menos sensorialmente agressivo para estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), além de beneficiar crianças que apresentam hipersensibilidade auditiva, ansiedade ou dificuldade com transições bruscas. O parecer do relator, deputado Daniel Agrobom (PL-GO), foi pela aprovação, destacando que a medida oferece uma experiência mais tranquila, favorece a concentração e melhora a convivência nas rotinas de passagem entre atividades.
O texto define música suave como aquela em volume moderado, sem ruídos bruscos ou alarmantes, escolhida pela equipe pedagógica com consulta preferencial às famílias de alunos com TEA. Se virar lei, as escolas terão 180 dias para se adequar. É importante frisar que a substituição se refere às sirenes que marcam horários escolares e não aos alarmes de emergência, que seguem normas específicas de segurança e devem continuar a cumprir sua função de alerta imediato.
A relevância pedagógica e inclusiva da proposta dialoga com o que a Educação Baseada em Evidências e as neurociências vêm demonstrando: mudanças sonoras abruptas atuam como gatilhos estressores, especialmente para estudantes com TEA, podendo desencadear sobrecarga sensorial, crises de ansiedade e fuga da tarefa. Músicas curtas e previsíveis, por sua vez, funcionam como “pistas ambientais” que ajudam o cérebro a sinalizar que um ciclo terminou e outro vai começar, reduzindo a fricção nas transições. Isso se traduz em menos tempo perdido reorganizando a turma, mais foco para iniciar a próxima etapa e um clima emocional mais estável na sala.
Do ponto de vista de gestão escolar, a implementação exige planejamento cuidadoso, mas é plenamente factível. A escola pode mapear todos os momentos sinalizados por sirene e definir pequenas vinhetas de 5 a 10 segundos para cada contexto (entrada, recreio, retorno de intervalo, saída), mantendo consistência para facilitar a aprendizagem dessas pistas.
O volume deve permanecer confortável e constante, sem picos, com testes em diferentes ambientes da escola, corredores, pátios, salas para ajustar a propagação do som. É recomendável envolver a comunidade: ouvir famílias de estudantes com TEA, professores e equipe de apoio; realizar pilotos em turnos específicos; monitorar indicadores simples como tempo de transição, incidentes de desconforto e percepção de ruído em sala. Essa escuta ativa permite ajustes finos, como a troca de timbres que possam ser desagradáveis a determinados grupos ou a adoção de uma opção “quase silenciosa” em locais com maior sensibilidade.
A música não precisa trabalhar sozinha. Boas práticas incluem combinar sinal sonoro com pistas visuais e temporais que reforçam previsibilidade: cronômetros de contagem regressiva projetados na lousa, cartões visuais de “transição em 2 minutos”, luz ambiente que muda de cor em bibliotecas, e rotinas verbais padronizadas breves do professor para fechar e abrir atividades. Para estudantes com TEA que ainda assim se incomodam com qualquer alteração sonora, a escola pode oferecer acordos individuais — como o uso de abafadores de ruído, uma “zona de transição” mais tranquila ou o aviso antecipado via agenda visual. O objetivo é garantir acessibilidade sensorial sem perder a funcionalidade pedagógica do aviso de horários.
Do ponto de vista legal e procedimental, o projeto segue agora para análise conclusiva nas comissões de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, se aprovado, ainda precisa passar pelo Senado para então ser sancionado e virar lei. Só após essa etapa começará a contagem do prazo de 180 dias para adequação das escolas. Até lá, nada impede que redes e unidades iniciem processos voluntários de adaptação, já colhendo benefícios para o clima escolar e para a permanência de estudantes com perfis sensoriais diversos.
A medida tem caráter simples, custo relativamente baixo e alto potencial de impacto, como apontou o autor do PL ao classificá-la como “simples, eficaz e inclusiva”. Ao deslocar a lógica do alarme para a do cuidado, a escola comunica, na prática, que reconhece diferenças neurossensoriais e se compromete com a equidade. Para equipes pedagógicas, esse é também um convite à formação continuada: entender o TEA não apenas pelos diagnósticos, mas pelos contextos de aprendizagem, pelos gatilhos no ambiente e pelas rotinas que protegem a autorregulação.
Na perspectiva da NeuroEscola, essa mudança conversa com um tripé que defendemos: desenho de ambiente acessível, instrução explícita com previsibilidade e acompanhamento por dados. Ao implementar a música suave, vale documentar o antes e o depois: registrar como as turmas respondem, quanto tempo demoram para reorganizar materiais após o sinal, como se comportam nos primeiros minutos de uma nova atividade e quais ajustes funcionam melhor em cada faixa etária. Essa postura investigativa transforma a adequação em uma oportunidade de desenvolvimento profissional e de aprimoramento contínuo da cultura escolar.
Em paralelo, é prudente que a gestão atualize os protocolos escritos: diferenciar claramente as “pistas sonoras de rotina” dos “alarmes de emergência”, treinar a equipe sobre o novo fluxo, revisar contratos com fornecedores de som e assegurar que qualquer solução tecnológica adotada tenha redundância e manutenção simples. Uma comunicação transparente com as famílias, explicando o porquê da mudança e como ela beneficia todas as crianças, não apenas as do espectro, tende a ampliar o engajamento e reduzir resistências iniciais.
A aprovação do PL 2331/2025 na Comissão de Educação é um passo animador rumo a escolas mais acolhedoras e responsivas à neurodiversidade. Trata-se de uma intervenção pequena no formato, mas grande no que simboliza: o compromisso de que a rotina escolar pode ser organizada para incluir, e não para excluir. Enquanto o projeto avança nas próximas etapas, educadores e gestores já podem experimentar, medir e aprender, porque inclusão de verdade se constrói no detalhe do cotidiano.
Esta publicação tem caráter informativo e não constitui aconselhamento jurídico. Para decisões normativas ou contratuais, consulte a legislação aplicável e um profissional qualificado.
Crédito da notícia: Agência Câmara Notícias — Reportagem: Tiago Miranda; Edição: Marcelo Oliveira.